segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Prosaria
Apago com luz estrelas que aguardam que o sol friolentamente se dilua no céu e faça luar o teu nome. Apago com palavras aquelas noites em que o sono não pega em ti e adormecemos de abraços dados cada um com o seu lugar marcado. À hora da poesia. Não faças distância perto de mim. Já não temos juízo nem idade para mastigar saudades.
À hora da poesia.
És tu o poema. Engole estes versos que te dou sob a forma de tranquilizante para curar a arritmia dos dias feitos de sonhar. Negra-me a pele. Endireita o caminho enquanto atraverso o poema de um lado ao outro e dá-me tempo para temperar a impaciência.
À hora da poesia.
Farei silêncio grelhado com pedaços de lua cheia. Farei carícias enlatadas e cachos de manga com sabor a fruta. Se restar fôlego. Farei crepúsculo cozido com fragmentos de nevoeiro. Não. Tudo menos crepúsculo. A última vez que fiz deixei queimar as horas dentro da panela. Quando destapei o tempo já não havia minutos que chegassem para namorar prazeres.
À hora da poesia.
É o teu alguém que acontece em mim como se não tivesse acontecido nada. É o idoso que vou sendo cada vez que a idade celebra mais um ano. É despertar com os teus sorrisos os sorrisos que ainda não ousas. São antídotos fora do alcance da fala. São botões de emergência preguiçosos. São braços entrelançados no peito.
À hora da poesia.
Escrever-te-ei em prosa para que possas tomar cada verso como um banho de cascata no coração. Respirar profundo o mar de hoje rente à linha do horizontem. Descascar a loucura ao ritmo de um grito definitivo e descalçar ilusões antes que seja tarde para recuperar a realidade.
À hora da poesia.
Quem te mandou a ti ensaboar o corpo com insultos de amor? Quem te rasgou poemas nos olhos apenas pelo simples facto de serem cascas de relâmpago colados à pele? À hora de bater asas na cara de outros voos. Quem te mandou assaltar trapézios com a altura de um céu? Quem me virá acudir se me acontecer um poema e tu não tiveres mais poesia para encher versos? Quem sacudiu lençóis de água à varanda da minha sede? Quem te vai emprestar os meus lábios quando os teus já não tiverem mais beijos para gastar?
Eu. Eu que te julgava um poema? Não! Tudo menos poemas.
Hoje sei que à vista desarmada a poesia é realidade que acontece quando não se tem outra ilusão. Mas. O que importa escrever assim ou assado se conservo em mim a dádiva de ser alado como um pássaro voando na direcção correcta?
"Prosaria"
na voz de José-António Moreira, “Sons da Escrita”.
Vídeo/Prémio
atribuído pelo “
Clube dos Poetas Vivos”.
Grato a Otília Martel e ao Luís Milhano pela criação e organização do Passatempo “Viver a Poesia” .

sábado, 13 de agosto de 2011

Diminuto

São horas de apanhar o primeiro transporte público
que se atravessar no meu atraso.


Mas
por favor, deixa-me
pelo menos por agora
tentar ordenar os ponteiros deste relógio insustentável
em cujo tempo se privou de me transportar.



Das mãos
é preciso exigir mais qualquer coisa
além dum mero adeus
um verbo qualquer
que dê, pelo menos, para comprar o pão de cada verso.



Por hoje
permite-me que vá
devagar
para que a poesia
onde quer que apareça
possa ter a duração de uma pedra
por mais um minuto
desmesuradamente finito.
Inefável.



Com que lábios te vais defender dos meus beijos
aí, onde nenhum passado nos põe a salvo da memória?



Deixa-me fazer um minuto de poesia
em nome dos pássaros
abandonadamente suspensos
em linhas de voo.



Um minuto de poesia
apenas um bocado
o suficiente para flutuvoar rente às ondas
pingando indefesas
à beira da sede.



Fazer um minuto de poesia
como se o silêncio doesse mais alto
que as próprias palavras.



Repetir incansavelmente o mesmo verso
até que o poema se canse de ser diferente.



Amormecer no teu colo
e poesiar-me por todos os lados
enquanto as sonolências perto da tua voz
me dizem baixinho, muito baixinho
quase em segredo:



Poesia
é o prazer que nos acompanha
quando se escreve em legítima defesa da solidão.


domingo, 7 de agosto de 2011